segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Antes da Peça

Soa o terceiro toque. Sinal de que a peça vai começar. O público está quase todo acomodado e as luzes da platéia vão se apagando lentamente. Lá atrás das cortinas, na coxia, Lucas espera o seu momento sagrado de entrar em cena. Sagrado. Para ele o único motivo de estar vivo, era o de poder fazer teatro. E ele o fazia bem. Aquele momento, aqueles segundos anteriores ao início da peça Lucas conhece, e gosta. A primeira exposição ao público, numa peça, é sempre a mais importante. Na primeira exposição de um personagem o público já define se gosta dele ou não. E Lucas sempre começa a peça com todo seu calor, sua força. Não que no decorrer do espetáculo ele perca essa força, esse calor. Ele faz, maravilhosamente, uma apresentação linear, ou seja, da forma que começa ele termina. Parece que ele tem toda sua energia calculada para não terminar a peça com menos disposição de quando começou.
 
Nesses segundos anteriores ao começo da peça, Lucas pensa em tudo isso. E pensa ainda na platéia. Hoje o público vai ser grande, a bilheteria é livre. Hoje em dia só se lota uma platéia quando a bilheteria é livre ou quando o elenco é composto por artistas famosos de televisão. Lucas pensa na platéia. Pensa que dali pode não conhecer ninguém. Ele não sabe quem vai assisti-lo nessa noite. Ele nunca sabe. Mas ele lamenta, e sempre lamenta quando está para entrar em cena. Lamenta, pois naquela platéia, e em todas as platéias que já o assistiram, nunca em nenhuma delas esteve sentada a pessoa que ele ama. E lamenta mais, porque não existe essa pessoa. Até pode existir. Mas ele não conhece. E essa pessoa deixa um vazio enorme na vida de Lucas. Ele pensa que se esta pessoa estivesse ali, na platéia, sua apresentação seria bem melhor. Já é boa. Ele sempre é elogiado, por quem entende e quem só assiste. Mas esse pensamento, de que sua apresentação seria melhor, se sua amada, sua companheira, estivesse na platéia, permanece em sua mente.
 
Desde que abandonou sua última namorada, para vir para a capital fazer teatro, já se passaram um ano e cinco meses. Ele não se arrepende. Mesmo gostando muito da garota (não era amor!), ele resolveu vir para a capital. E não se arrepende. Lá onde morava, no interior, Lucas não poderia seguir sua carreira artística. Embora ele tivesse um bom emprego, uma namorada que o amava, e a promessa da mãe de lhe pagar a faculdade ali por perto, Lucas não estava satisfeito. Desde que tivera a primeira experiência no teatro há poucos anos, aqui mesmo na capital, Lucas não era a mesma pessoa. Na época estava com quinze anos e morava aqui com seu pai e sua avó. Seus pais eram divorciados, por isso não moravam juntos. Sua mãe morava no interior, e já era casada novamente quando Lucas veio para a capital. Ficou apenas um ano aqui, mas foi o suficiente para conhecer a arte do Teatro e para se apaixonar por ela. Durante seis meses ele participou de uma oficina, e descobriu sua vocação. Mas ao findar o ano, problemas de família o levaram a voltar morar com sua mãe. E deixar o teatro. No interior não tinha teatro, grupos, nem cursos. Teatro ali era uma coisa que pouca gente conhecia. Lucas ficou dois anos sem subir novamente num palco. Mas ele sabia que era isso que ele queria. Subir num palco. Fazer teatro. Então decidiu voltar para a capital, e levar a frente sua carreira artística. Demitiu-se do emprego de professor de informática, saiu da escola que estudava e conversou muito com sua namorada. Ele já havia pensado em casamento, mas o teatro o chamava. Eles sabiam que a distância, que não era pequena, não permitiria o continuar do relacionamento. Terminaram o namoro. E Lucas voltou para a capital. Fez novos cursos e menos de um ano depois de voltar, no ano de dois mil formou seu grupo de teatro. E há um ano e cinco meses ele estava fazendo teatro. Há um ano e cinco meses estava sentindo falta de uma companheira, seu coração pedia alguém para amar, além do palco.
 
Nesses poucos segundos antes de começar a peça Lucas voltou no tempo e viu o motivo de estar ali agora, prestes a entrar em cena. Viu toda a trajetória que o teatro o fez seguir. Ele pensava muito profundamente nisso, e por um momento até esquecera que iria apresentar uma peça. Lucas desperta desse transe com as cortinas se abrindo, as luzes do palco se acendendo e a platéia silenciando. Começou o espetáculo. Muita merda para nós!


- 11 de junho de 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentário são sempre bem-vindos!